/span>
 || Governos || Grupos || Eleições || Regimes || Anuário || Biografias || Revoltas

  Anuário 1828

1828

 

Miguelismo: a honra sem inteligência – Entre caceteiros e tradicionalistas

O então infante D. Miguel desembarca em Lisboa (22 de Fevereiro). Caceteirismo

Arquivo antigo do anuário CEPP

  

Governo nº 4 de D. Miguel, chefiado pelo duque do Cadaval (26 de Fevereiro).

Assassinato dos lentes de Coimbra em Condeixa (18 de Março

  Maio, Eleições para o braço popular das Cortes Gerais, que vão eleger D. Miguel como rei de Portugal

Revolta liberal do Porto (16 de Maio, ate 2 de Julho)

Regime de terror (14 de Julho). Criado um tribunal de excepção para o julgamento dos revoltosos do Porto

Combate da Cruz dos Morouços (24 de Junho)

Miguelistas entram no Porto (3 de Julho), depois da belfastada.

Criada uma alçada para o julgamento dos revoltosos do Porto (14 de Julho).

Revolta anti-miguelista na Madeira é sufocada (22 de Agosto)

Cartistas assumem o controlo da ilha Terceira (4 de Outubro).

Acidente de D. Miguel na viagem de Queluz para Caxias, quando era conduzido por cavalos malhados (19 de Novembro).

 

O caceteirismo – O então infante D. Miguel desembarca em Lisboa (22 de Fevereiro). Canta-se que o rei chegou/ e em Belém desembarcou. Desce em Belém, não seguindo para o Terreiro do Paço, onde está um pavilhão com a Carta Constitucional. Não passa revista à divisão inglesa e logo segue para a Ajuda, onde tem um primeiro contacto com a mãe, dita pelos adversários como a megera de Queluz. Começa o caceteirismo. Soltam-se as forças da anarquia, começa a caça aos liberais; domina a Força e o Cacete, endeusados pela facúndia do grande panfletário do partido, José Agostinho de Macedo (António Sérgio).

Um traidor manifesto? A figura de D. Miguel (1802-1866) continua a ser objecto de perspectivas contraditórias. Coelho da Rocha diz dele que todos os seus actos trazem o cunho da imprevidência e da ferocidade. Almeida Garrett qualifica-o como um abjecto tirano, um rebelde traidor manifesto.

Um rei legítimo? Oliveira Martins, já com uma certa distância de historiador, e que lhe valeu uma violenta diatribe de António Sérgio, aliás, diz que ele foi o último rei que o povo amou e compreendeu, que saiu pobríssimo do seu país e pelos seus oficiais carecidos distribuiu o dinheiro que possuía em Évora Monte, enquanto Carlos Passos considera que mais valia a figura do príncipe que o sistema absolutista. Por seu lado, Cabral de Moncada salienta que se por legitimidade entendermos a questão dos direitos de D. Miguel ao trono português em face das leis de sucessão do reino (leis ditas de Lamego e as Cortes de 1641), num ponto de vista estritamente legal, é indiscutível que uma tal legitimidade só pertencia ao filho mais novo de D. João VI.

Usurpador – Mas a isto responde Garrett, dizendo que a legitimidade fez-se para os povos e não para os reis, considerando, por seu lado, Coelho da Rocha, que D. Miguel procedeu a uma escandalosa transgressão do juramento, dos esponsais e dos votos feitos... em Viena à face de Deus e de toda a Europa.

A honra sem inteligência – Talvez mais esclarecedoras sejam as posteriores palavras de D. Miguel no exílio: fomos ambos infelizes, eu e meu irmão. Por ele esteve a inteligência sem honra, por mim, a honra sem inteligência, conforme registo de Carlos de Passos. Porque, como dizia Garrett, na maturidade das páginas inolvidáveis das Viagens na Minha Terra, toda a guerra civil é triste. E é difícil dizer para quem é mais triste, se para o vencedor, se para o vencido.

Governo nº 4 de D. Miguel (26 de Fevereiro). Tem na presidência (ministro assistente ao despacho) D. Nuno Álvares Pereira de Melo, o 6º Duque do Cadaval, futuro presidente da Câmara dos Pares. Outros ministros são: no reino e marinha, José António de Oliveira Leite de Barros, o 2º conde de Basto; na guerra e nos estrangeiros, o conde de Vila Real (1758-1825); na justiça, conde de Barbacena; na fazenda, D. Diogo de Meneses de Eça, 3º conde da Lousã. O conde de Vila Real logo a 3 de Maio é substituído na guerra pelo visconde Rio Pardo e nos estrangeiros pelo visconde de Santarém.Seguem-se o conde de São Lourenço, Barbosa de Magalhães, Louis Auguste Victor de Ghaines, Conde de Bourmont (1773-1846) e António José Guião. Apesar de tudo, conforme o testemunho de um adversário, Lavradio, os ministros de D. Miguel serviram sempre com exemplar limpeza de mãos.

Nomeados imediatamente novos governadores militares da confiança miguelista, como o visconde de Veiros para Lisboa, visconde do Peso da Régua, Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, para Trás-os-Montes e Agostinho da Fonseca para as Beiras. Palmela, em Londres, é substituído pelo visconde de Asseca, mas o governo de Londres não recebe o novo ministro.

O gabinete tem sucessivas recomposições em 3 de Maio de 1828, 20 e 21 de Fevereiro e 11 de Abril de 1829, bem como em 1 de Julho e 27 de Setembro de 1831, e 15 de Agosto e 22 de Setembro de 1833. Em 3 de Maio de 1828: Conde de Vila Real é substituído na guerra pelo visconde Rio Pardo (1755-1829) e nos estrangeiros pelo visconde de Santarém.

Logo em 16 de Março, dá-se o pronunciamento de Bernardo Sá Nogueira, a favor da Carta, a primeira das rebeldias do que virá o sangrento processo da contestação liberal ao processo.

Assassinato dos lentes de Coimbra em Condeixa, em 18 de Março, levado a cabo pela Sociedade dos Divodigus ou Divodis, também dito Clube Republicano Escolástico.

O fim da legitimidade cartista – Dissolvida a Câmara dos Deputados, em nome de el-rei e usando da atribuição do poder moderador, em 13 de Março. D. Miguel já é aclamado rei pelo Senado de Lisboa e pelas Câmaras de Coimbra e de Aveiro, no dia dos anos de D. Carlota (25 de Abril). Convocação dos três estados à maneira tradicional, por pressão dos tradicionalistas e contra o que defendiam os rainhistas, marcados pela postura absolutista (5 de Maio de 1828)

A divisão inglesa, comandada pelo general William Clinton, que se encontra em Portugal desde 1826, retira-se em 2 de Abril e D. Miguel recusa mesmo passar revista às tropas. A partir de então, surgem alguns incidentes que vão acelerar o processo de ruptura, gerando-se golpes que produzem pontos de não regresso face a um processo de consensualização.

Três Estados e eleição do rei – Eleição dos delegados do braço popular (84 dos concelhos) para os Três Estados que se reúnem no Palácio da Ajuda em 23 de Maio. 155 delegados do braço popular, entre os quais delegados de 84 concelhos; 29 delegados do Clero (o Patriarca de Lisboa, seis bispos, grão-priores de todas as ordens militares, prelados abades e priores); 110 da nobreza (12 marqueses, 41 condes, viscondes e barões), num total de 294 membros. Os delegados de Braga, Viseu, Guimarães e Aveiro não podem comparecer porque tais cidades estão na posse dos revoltosos. No dia 25, reúnem-se separadamente: o estado do povo no Convento de S. Francisco; o do clero, na Igreja de Santo António da Sé; o da nobreza, na Igreja de S. Roque. O modelo obedece ao mais rigoroso constitucionalismo histórico, significando o triunfo da ala moderada do miguelismo que, à semelhança de idêntica franja dos pedristas, procura retomar o consensualismo do Portugal Velho que havia sido eliminado pelo ministerialismo iluminista do absolutismo. Assim, os Três Estados, em 11 de Julho, assentam em reconhecer e declarar D. Miguel rei de Portugal.

O regresso da guerra civil. Revolta liberal desencadeada em Aveiro em 16 de Maio, a partir do batalhão de caçadores 10 que logo marcha para o Porto, onde se forma uma Junta do Governo Provisório presidida pelo general Hipólito Costa e integrando, entre outros, Manuel António Velez Caldeira (1791-1868) e Joaquim António Magalhães. Cercados, aí resistem até 2 de Julho. Segue-se revolta em Coimbra (22 de Maio). Falha pronunciamento cartista no Algarve (25 de Maio). Falta um grande general aos cartistas, sendo convocado o brigadeiro Claudino Pimentel que quando se dirige para o Porto é preso, acabando por morrer na cadeia.

Chega a Belfast. Os do Porto recebem o apoio de alguns chefes liberais que vêm do exílio, a bordo do navio Belfast, que traz Vila Flor, Taipa, Cândido José Xavier, Francisco de Paula Azevedo e outros (26 de Junho). Palmela assume o próprio comando militar e, no terreno, destacam-se Saldanha e Sá Nogueira. Todos acabam por fugir no mesmo navio, à excepção do último que consegue garantir a retirada para a Galiza de 4 000 soldados, dos quais 2 386 acabam por embarcar para Inglaterra.

Derrota na Cruz dos Mouroços – Pouco antes, os pedristas, comandados pelo brigadeiros Francisco Saraiva da Costa Refoios (1779-1842), são derrotados no combate da acção dos capitães, entre a Venda do Cego, Antanhol  e a Cruz dos Morouços, a Sul de Coimbra, com Refoios, do lado cartista, e Povoas, da banda miguelista (24 de Junho). As tropas miguelistas do General Póvoas entram no Porto e a partir de então estender-se, a todo o continente, o governo miguelista (3 de Julho).

Terrorismo de Estado. Criado um tribunal de excepção para o julgamento dos revoltosos do Porto, em 14 de Julho. Como salienta Carlos Passos, com D. Miguel a forca era instrumento legal do castigo; com D. Pedro efectuava-se o castigo com o punhal e o trabuco. Entre os dois, venha o Diabo e escolha.

Reforma Geral dos Estudos – Em 9 de Agosto de 1828 é criada uma Reforma Geral dos Estudos do Reino e dos seus Domínios, sob a presidência de D. Francisco Alexandre Lobo, o bispo de Viseu, equivalendo a um autêntico ministério da instrução, dado retirar a matéria do ministério do reino. Quatro dias depois já desembarcam em Lisboa cinco jesuítas, vindos de Paris, depois de, em 10 de Julho, ser autorizado o regresso da Companhia. A Universidade tinha sido encerrada em 28 de Maio. Mas a partir do Verão de 1829, tudo entra em ritmo de febril viongança saneadora, com Frei Fortunato de São Boaventura a suceder a Lobo.

A resistência pedrista nas ilhas. Mantêm-se dois focos de resistência anti-miguelista. Na Ilha da Madeira, de 20 de Junho até 22 de Agosto, com José Lúcio Travassos Valdez. Na ilha Terceira, os cartistas assumem o controlo, depois de uma revolta local (22 de Maio), confirmando o domínio ao vencerem os miguelistas na batalha do Pico do Celeiro (6 de Outubro), após o que se cria uma Junta Provisória de Governo.

Malhados e burros – Acidente de D. Miguel na viagem de Queluz para Caxias, quando é conduzido por cavalos malhados, nome pelo qual passam a ser alcunhados os cartistas, que também injuriam os apostólicos crismando-os como bestas e burros (19 de Novembro).