O Ensino Superior À Procura de Bom Senso

 

 

Instituto Francisco Sá Carneiro, 3 de Outubro de 2000

 

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce

Não é certamente por acaso que a principal força de oposição ao actual governo decidiu promover, aqui e agora, no começo do último trimestre do século XX, no mês do cair da folha e do regresso às aulas, um colóquio sobre as perspectivas do ensino superior. Mas é certamente uma honra ter sido convidado para dar um testemunho, bem existencial e bem angustiado, sobre uma matéria que, dia a dia, professo.

 

Especialmente quando a sessão decorre sob o signo de uma instituição que tem Francisco Sá Carneiro como inspirador e onde o acaso das circunstâncias, e o escrever direito por linhas tortas, esse anti-acaso da necessidade que brota das convicções, dos valores e dos princípios, colocou na moderação do painel, o Dr. João Bosco Mota Amaral.

 

Senhor moderador e senhor Presidente do IPSD! Recordo-me que, um dia, V. Exª deu uma lapidar definição de Francisco Sá Carneiro quando o qualificou como alguém que tinha a vertigem do risco. Bela caracterização essa que, hoje, importa trazer a este tempo de moleza laxista, de carreirismo oportunista e até de sociedade de casino.

 

Porque Francisco Sá Carneiro era alguém que sentia a política como missão, como vocação, como apelo interior, e que, assim ancorado, era capaz de viver como pensava, sem pensar como iria viver. Porque estando de acordo consigo mesmo, ainda que parecesse em desacordo com o politicamente correcto das circunstâncias, assumia o risco do tudo ou do seu nada, visando actuar sobre a tirania do statu quo.

 

Na verdade, Sá Carneiro era o exacto contrário dos pretensos executantes da actual política da barganha, dos que, não tendo uma ideia de Portugal, da democracia, e do Estado de Direito, substituíram a estratégia pelo tacticismo, e, navegando ao sabor das circunstâncias do Estado-Espectáculo, chamam a esse vazio, compromisso e diálogo. Jamais podem ter o sentido pessoanp do Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

 

Julgo ser este o pano de fundo onde se insere a questão que aqui nos trouxe: as perspectivas do chamado ensino superior, depois deste sofrer o terramoto da paixão guterrista, cujos últimos escombros estão patentes na já analisada lei de 23 de Agosto, pactuada entre o PS e o Bloco de Esquerda e que, nalgumas especialidades mais loucas, até recebeu o apoio em comissão de dois deputados do CDS/PP.

 

A entropia do nosso sistema educativo

Há algumas semanas, ainda antes de entrarmos no novo ciclo, escrevi um polémico artigo num semanário de pouca divulgação, onde lancei uma das raras farpas surgidas na opinião publicada face à condução da política educativa, então nominalmente entregue ao meu amigo e companheiro de geração Guilherme d’Oliveira Martins. Dizia então o que agora repito: sinto-me no dever de proclamar, quase à maneira de Guerra Junqueiro, que o nosso sistema educativo, caso se mantenha a actual entropia e o consequente lixo não incinerado, corre o risco de só poder dar alguma luz quando arder.

 

O comunismo burocrático da 5 de Outubro

E isto por uma óbvia razão: as adiposidades do comunismo burocrático da 5 de Outubro, esse inferno dos aparelhos inventados para o cumprimento das boas intenções dos nossos educacionólogos, avaliólogos e outros ornitólogos, continua a pautar-se por um dicionário autista, incapaz de se relacionar com o concreto das circunstâncias da vida e de servir os valores a que diz obedecer.

 

A nomenclatura dos reformadores

A culpa, apesar de não ter que morrer solteira, também não está, por inteiro, no Professor Veiga Simão, no Engenheiro Roberto Carneiro, no Doutor Marçal Grilo e em toda essa honrosa nomenclatura de reformadores, tão magnificamente sustentada pela excelência dos construtivistas vindos da Universidade de Lourenço Marques e que, como lobby reitoral, se fundacionaram misticamente, confundindo o público com o privado, para destruírem o privado que com ele não privatiza e concordatiza, ou que a ele não vai recorrer depois de, também por ele, ser entrameado, de acordo com a regra do pirómano bombeiro.

 

As fábulas do educacionês

Metaforizando, direi que a culpa está  no educacionês que nos impede de dizer que o rei vai nu, e que, fábula por fábula, continua a a esgrimir os argumentos do velho, do rapaz e do burro, de tal maneira que o dito burro acaba por ser menos burro que todos os que lhe chamam burro, enquanto os velhos continuam a pensar que são rapazes e o rapazes, apesar da idade, são, talvez, mais velhos que os velhos, não sabendo que só é novo aquilo que se esqueceu e que o antigo é o moderno, de que o moderno há-de ser antigo, para vieirizarmos um pouco, nestes tempos em que os modernistas já são todos pós-modernos e os reaccionários pensam que são reformadores.

 

Um vazio de cultura geral e de senso comum

Com efeito, o sistema educativo insiste em laborar no preconceito que, já nos anos setenta, foi denunciado pelo meu querido Professor Guilherme Braga da Cruz: menospreza as virtudes da verdadeira sabedoria científica, esse espaço de conhecimento situado entre a metafísica e o bem senso, e, por isso, usa e abusa da hiper-departamentalização educativa, gerando inúmeros especialistas em casca de árvores que não conseguem compreender a floresta, com o consequente vazio de cultura geral e de senso comum.

 

 

Educacionólogos, avaliógos e outros ornitólogos

Se já tínhamos os educacionólogos, esses especialistas no cartesiano despedaçar da boneca, mas que, de análise em análise, nem sequer a essência do todo conseguem intuir, eis que, mais recentemente, inventámos os avaliólogos, abstractas entidades do mesmo género avícola, herdeiras do nosso ancestral inquisitorialismo, que, utilizando a técnica do pombalismo, do miguelismo, do devorismo, do positivismo, dos salazarentos e do gonçalvismo, por enquanto ainda sem cacete, se entretêm a escrever vários capítulos de uma nova Dedução Cronológica e Analítica, onde, apesar de não ousarem o estabelecimento de um novo livro único, invocam sacrossantos paradigmas ultrapassados, não percebendo que só é moda aquilo que passa de moda e não sabendo o que são revoluções científicas, conforme o manifesto do Thomas Kuhn. Porque os nomes nunca conseguiram fazer a coisa, eis que o hábito de reformador, mesmo que usado por um revolucionário arrependido, não gera, por si mesmo, o  monge criador da ratio studiorum.

 

A luta de facções do educationally correct

E isto, para não falarmos nas fundacionais nomeações das comissões avaliadoras, onde, desrespeitando-se frontalmente o princípio da imparcialidade, se arregimentam os filiados numa facção científica dominante em certas escolas, para, nas conclusões do relatório, se elogiarem mutuamente os seguidores da regra carneiral e se perseguirem os concorrentes, eliminando o direito à diferença e a liberdade de ensinar e aprender fora da cartilha do educationally correct dos novos e iluminados candidatos a saneadores. Porque o segredo de seita ainda não é segredo de Estado, talvez não seja inconveniente perguntar se vale a pena sermos dominados pela geração dos doctorats de troisième cycle do Mai 68 e das passagens administrativas, que, muito carrilhamente, nos querem transformar no caixote de lixo das revoluções perdidas. Se, ao menos, lessem o que vem dizendo Luc Ferry...

 

Os custos do sistema

Liberalmente, direi que, com estes especialistas em sucessivas derrotas, o sistema não merece os custos que actualmente são suportados pelos contribuintes. Aliás, os educacionólogos criaram não sei quantos ministérios dentro do mesmo ministério, com uma série de círculos concêntricos de lobbies, onde, num piso, estãos os fiéis dos ministros reformadores já reformados; noutro, os devotos de certas maçonarias; mais adiante, os seguidores de algumas sacristias; depois, os comunistas, os laranjinhas, os cor de rosa e eventualmente um ou outro CDS, não excluindo os avençados e os quadros técnicos com escolares médias de suficiente-menos, convidados para professores das escolas que podem vasculhar.

 

Tentação burocrática e espírito retroactivo

Por seu lado, os avaliólogos, também marcados pela mesma tentação burocrática, estão a gerar uma espécie de contra-ministério só aparentemente colaborador do actual, onde abundam jubilados, reitores aposentados e políticos que querem ser pares vitalícios, os quais, depois de falharem como reformadores e gestores de universidades privadas, são agora chamados para, muito retroactivamente, mas sem  feedback, avaliarem o que, antes, deformaram.

 

A dimensão decretina

Todos estão irmanados pela legitimidade da simples nomeação política centralista, assumindo a mera dimensão decretina. E muito positivisticamente, cumprindo o plano da revolution d’en haut, vão nomeando, de cima para baixo, os seus hierarcas, cobrindo gnosticamente, com o manto diáfano da ciência e da tecnoburrocracia (sic), meras decisões políticas e até de vindictas carreirísticas, mas sem que assumam a responsabilidade política dos que são eleitos. E tudo vão colorindo com o sofisma provinciano e terceiro-mundista dos convites a peritos ditos internacionais que nos  países donde são provenientes ninguém conhece.

 

Contra a autonomia das escolas e a experiência dos professores

Essa fauna ornitológica, além de cara e inútil, começa a ameaçar a essência da chamada autonomia das escolas e a experiência viva dos professores que professam e ainda contactam directamente com a vida.

 

Se não invertermos o rumo do neomarcelismo que confunde terceira via com terceira idade e persiste em semear fantasmas, teias de aranha e gerontocracia na 5 de Outubro; se continuarmos a ter saudades do ministro Sottomayor Cardia e pena que António Barreto não se tenha guterrizado, só poderá haver uma saída para a autofagia: extinguir o actual Ministério da Educação.

 

Reformar os reformadores

Para que o sistema educativo continue aberto para baixo e para cima, para a realidade e para os valores; para que o ministério cumpra a sua paixão; e para que os ocupantes de tal pasta possam vencer a frustração de António Sérgio, basta que, com o conhecimento modesto de coisas supremas, se abram as janelas da descentralização e da devolução de poderes, mesmo que haja correntes de ar e algumas constipações. E terminava tal artigo, invocando Frei Bartolomeu dos Mártires em Trento: excelentíssimos e reverendíssimos reformadores, precisais de uma excelentíssima e reverendísisma reforma!

 

A lei de 23 de Agosto

Poucos meses volvidos, na sequência da remodelação governamental, voltei à carga, assinalando as consequências da lei de 23 de Agosto que consagra as doutrinas do Professor Doutor Vital Moreira e de outros anteriores hierarcas do PREC, os verdadeiros intelectuais orgânicos da Secretaria de Estado do Ensino Superior, os quais quase monopolizam a acumulação parecerística dos grupos de missão e das avaliações.

 

O regresso do gonçalvismo

Declarei então e declaro agora, sem papas na língua, que estamos a assistir a um reciclado regresso do gonçalvismo com muitos pontos de não retorno, onde as principais vítimas são os estabelecimentos de ensino superior privado, dado que muitos políticos do poder, marcados por um marxismo-leninismo de formação, continuam obcecados pela circunstância de certas figuras de direita terem sido as fundadoras e continuarem a ser as principais gestoras do sistema privado e cooperativo de ensino superior.

 

E o facto de algumas personalidades oriundas do salazarismo aparecerem a sufragar o processo, elas que não são propriamente “idiotas úteis”, apenas revela a inevitável aliança de colectivismos estadualistas de sinal contrário. Antiliberais de todos os quadrantes, uni-vos...

 

A anaciclose

Vamos, pois, entrar na anaciclose da política educativa, marcada por uma “paixão” proibicionista, estadualista e burocratista. Uma punição desproporcionada face ao desprestígio provocado pelos responsáveis do ensino superior privado, combalidos pelo chamado “caso da Moderna”, onde não soube distinguir-se o trigo do joio e onde uma hábil manobra tomou a parte pelo todo.

 

 

O colectivismo permanecente

O ambiente que denunciei constitui, sem dúvida, um excelente exemplo de “abertura à sociedade” da política governamental, que não tenho dúvidas em qualificar como padecendo do vício da falta de autenticidade. Não acuso, evidentemente, os titulares em causa de qualquer acto doloso. Digo apenas que alguns deles, devido a um defeito educativo de origem, nunca, do colectivismo, se desformataram, pelo que jamais poderão “compreender”, ou ter “intuição” da essência, da sociedade aberta, do pluralismo e do Estado de Direito, por muito que cantarolem as respectivas fórmulas.

 

A tirania do statu quo

Concluía em tal artigo que, perante a tirania do “statu quo”, me sentia pessimista. Para desfazer anos de investimento, bastou um acordo de bastidores em São Bento com um partido de trotskystas não arrependidos. Para construir, foram precisos muitos e pacientes anos. Julgo que certos sectores de Portugal voltaram a cair nas garras de revolucionários frustrados do Maio 68, os quais, usando heterónoma lixívia rosa, conseguiram apagar, do respectivo passado, anterior à queda do muro, certas práticas antidemocráticas a que se dedicaram no PREC.

 

A educação como factor de poder do Estado

Esta breve retrospecção de algumas das posições públicas que recentemente tomei servem apenas como pretexto para alguns tópicos mais sistematizados que aqui quero lançar.

 

Quero, em primeiro lugar, começar pelo mote inserto na carta-convite para este colóquio, onde, de forma incisiva se refere que a educação representa na actualidade um dos mais importantes factores de poder de um Estado; que o nível de formação dos cidadãos é proporcional á capacidade nacional de enfrentar os novos desafios do sistema internacional: e que o Ensino Superior assume uma importância crescente nesta evolução.

 

Infelizmente, tenho de reconhecer que, pelo menos a nível da política educativa, o modelo de Estado a que chegámos neste novo ciclo do guterrismo, depois do gonçalvismo, do soarismo, da AD, do Bloco Central e do cavaquismo, tende, cada vez mais a ser uma simples bissectriz de um paralelograma de forças, mas forças essas que os restos de factores nacionais de poder controlam cada vez menos.

 

Ora um pequeno-médio Estado como o português suicidar-se-á se não perceber que tanto são escassos os recursos financeiros de que dispõe para a formação dos seus intelectuais de alta competição, como também são escassos os meios humanos de alta qualidade que pode formar. Ora, a ausência de sentido de Estado no comando das finanças públicas e a ausência de humanismo na política demográfica levam a que tenhamos indíces de república das bananas terceiromundista quanto ao despesismo, à evasão fiscal e à corrupção, ao mesmo tempo que, pardoxalmente, adoptamos uma política populacional de novos ricos.

 

Por outras palavras, se, como efeito da democratização do ensino, aumentámos a quantidade dos candidatos ao ensino superior, verificamos, em cada ano que passa, como vai diminuindo o grupo dos que têm alta qualidade. Utilizando uma metáfora desportivo, diremos que está a acontecer ao ensino superior o que ainda agora sucedeu à nossa representação olímpica: em termos quantitativos e de despesas, tivemos o maior número de sempre; em termos de qualidade, um dos piores resultados de sempre (cerca de sete vezes menos que a Grécia). Também no ensino superior se passa algo de semelhante: estatísticas de luxo quanto ao número de alunos, mas assombrosa falta de qualidade, que quase roça a iliteracia quanto aos licenciados médios, com a consequente falta de produtividade em termos de mestrados e doutoramentos, onde continuamos a viver em níveis terceiromundistas.

 

Por outras palavras, gastamos demais face aos resultados que produzimos, dado que, com menos que fosse melhor, poderíamos atingir objectivos de excelência.

 

Eis, a meu ver, o primeiro dos vícios da nossa política educativa: a falta de uma ideia de Portugal e a falta de bom senso na gestão dos recursos escassos de que dispõe. Ora, sem metafísica nem senso comum, não é possível a ciência, conforme a inesquecível noção de ciência do nosso Antero de Quental.

 

Um ministério sem a instrução, sem o nacional, sem a cultura e sem a investigação

Utilizando outra metáfora, direi que o resultado deste duplo vício está na existência de um Ministério da Educação que não passa de um conjunto de escombros. Ele já não consegue ser o primitivo Ministério da Instrução Pública, da monarquia liberal e da I República, nem o velho Ministério da Educação Nacional, do salazarismo, e, pior do que isso, porque perdeu as amarras que, com o 25 de Abril o ligaram à Cultura e, depois, à Investigação Científica, não consegue entender a questão do ensino superior e, muito menos, a das Universidades.

 

O regime dos secretários da administração educativa

Reduzido a simples ministério da administração educativa, entre o pré-escolar e o secundário, (e não é certamente uma coincidência o facto dos dois últimos ministros terem sido promovidos a partir do cargo de secretários de Estado da administração educativa), não há paixão que resista à inevitável tentação burocratista e intervencionista.

 

A educação e a independência nacional

A formação de uma elite nacional, nomeadamente pela utilização do investimento público no ensino superior e na política de investigação científica, ainda hoje constitui um dos raros factor de poderes dos Estados Nacionais tanto face à globalização e à internacionalização da sociedade civil, como perante o processo de integração e de unificação europeias. Por outras palavras, sem uma ideia de Portugal que integre a política educativa na estratégia nacional, ou na defesa nacional em sentido amplo, não haverá independência nacional, isto é, independência do Estado Português e independência de todos e cada um dos portugueses.

 

Tratar o patriotismo de forma científica

Para tanto, importa tratar o patriotismo de forma científica, pelo que não basta a distribuição pelas escolas de kits com patriotismo enlatado ou discursos de requentado republicanismo maçónico. Aliás, Portugal não precisa de traduzir em calão o modelo de contrutivismo nacionalista dos Estados sem nação, ou dos Estados plurinacionais que querem esmagar minorias nacionais. Somos nação antes do nacionalismo. Somos nação antes de terem sido inventadas coisas tão abstractas como o Estado e a soberania.

 

Por isso não precisamos de traduzir republicanismos nacionalitários em calão.  

 

Assumir o universal através da diferença

Como salientava Alexandre Herculano, os portugueses foram independentes porque o quiseram ser. Como acrescentarei hoje, os portugueses apenas continuarão independentes se uma formação individual lhes incutir essa vontade de quererem ser mesmo independentes.

 

O risco da terceiromundização

Portugal está a terceiromundizar-se em termos de ensino superior e sobretudo em termos universitários. E à circunstância não são estranhos cinco preconceitos que continuam a enredar o ensino superior:

 

(1) A estupidez do regime de numerus clausus, face aos nossos principais concorrentes em matéria de liberdade de circulação de pessoas, nomeadamente a Espanha e a França. Especialmente a Espanha que, muito naturalmente, aproveita o nosso vazio de ideias no domínio de uma política defensiva para assumir um nítido expansionismo cultural. Vejam-se as crescentes cadidaturas de jovens portugueses ao ensino superior espanhol, a onda de doutorados espanhóis que já ocupa lugares do nosso ensino superior, privado e pública, ou a autêntica fábrica de títulos de mestrado e de doutoramento que, em regime de hipermercado e de venda por correspondência, ocorre em certas zonas do país vizinho, ao mesmo tempo que continuamos a impedir que alguns jovens masculinos, em crise de adolescência, sossobrem face ao regime de competitividade de gineceu que surge em certas zonas do ensino secundário, onde também continuam a chumbar de forma massificada jovens portugueses de origem africana.

 

(2) A estupidez do neocorporativismo de certas ordens profissionais, lançando uma política absurda de restrições quantitaivas que acabam por defender os medíocres instalados contra o mérito dos mais novos

 

(3) A estupidez de um sindicalismo que dá cobertura à reivindicação dos incompetentes, onde se prefere a defesa de postos de vencimento sem produtividade, contra a da criação de novos postos de trabalho, num chauvinismo reaccionariamente gerontocrático.

 

(4) A estupidez da dupla formação profissional com a criação de centros para exames de mandarinato, quando, através de simples protocolos com as escolas superiores existentes se poderia melhorar a formação permanente ou estabelecer-se um programa integrado de creditação. Para não falarmos na ilusão do senhor dr. que impede o enraizamento do ensino politécnico.

 

(5) A estupidez de um modelo napoleónico de normaliens segundo o ritmo do Mai 68. Andamos a formar professores para que estes tratem de formar novos professores num ciclo de sucessivas intelligentzias que nunca sabem o que é a vida. Há cada vez mais professores de história, mais professores de filosofia, mais professores de literatura e mais professores de semiologia e cada vez menos historiadores, filósofos, literatos e de comunicadores. Como se muitas das actividades profisisonais não nascessem desse pequeno grande nada que é a vocação, desse pequeno grande nada que é a vontade. Como se não pudesse haver self made men, e portadores dessa centelha de génio que é a inspiração.

 

 

A necessária aposta numa educação personalista

Só com um suplemento de alma que permita a moralização da política é que podemos optar por um modelo educativo assente numa clara concepção do mundo e da vida que prepare os indivíduos para a agressividade de uma globalização selvática e uniformista. Só com uma educação personalista que reforce a dimensão individual e a dimensão social da pessoa, onde o nós está dentro do eu e onde cada eu tem de ser entendido como um verdadeiro centro do mundo é que podemos, pela educação moral e pelo civismo, reforçar o autocontrolo do indivíduo e semear a dimensão social do comunitarismo.

 

Daí que nos pareçam anacrónicos programas de educação cívica de matriz jacobina, excessivamente individualistas e excessivamente estadualistas, quando entendem a cidadania como simples diálogo directo do indivíduo com o Estado, onde a pátria aparece abstractamente solta. Quando importa fazer assentar a pátria noutras instituições comunitárias e dar-lhe o húmus da sociedade civil. Só através de valores personalistas e pluralistas, simultaneamente individuais e comunitários, poderemos evitar o processo de desenraizamente que anda inevitavelmente associado ao europeísmo e à globalização, de maneira que o bairrismo não expulse o municipalismo, e que o provincianismo não se volva num simples ódio da periferia contra o centro. Só desta forma poderemos lutar contra o colectivismo da personalidade autoritária eliminando os fantasmas do salazarismo, do comunismo, bem como os espantalhos do jacobinismo burgês.

 

 

 

Contra o legalismo e a corrupção

Mas o sistema educativo português, e principalmente o modelo de ensino superior, não peca apenas nos princípios. Falha também no domínio dos instrumentos, da metodologia. A começar pelo vício da elefantíase legislativa, com a consequente interpretação da lei pela via do hierarquismo da circular e a crescente irresponsabilidade do comunismo burocrático.

 

Quase todas as leis emitidas em Portugal sobre o ensino superior privado nunca foram cumpridas até à exaustão. Primeiro, porque o abstracto legislador nunca ouviu o avisado conselho dos que mais sabem teoricamente sobre a matéria e que por acaso até são os mais práticos. Ora, o pior que pode acontecer a uma lei é que os respectivos executantes, reconhecendo a impotência na passagem da vigência para a eficácia e faltando-lhe a cobertura da validade de uma lei justa, tratem de a pactuar pela barganha, abrindo necessariamente a porta à corrupção individual e institucional.

 

Por causa deste erro da política legislativa é que somos o quarto país mais corrupto da União Europeia. O que também deve ser verdade no âmbito da política educativa. Porque quanto mais proibicionismo emitimos, mais corrupção temos. Com efeito, os países onde melhor a dimensão pública da política educativa são aqueles onde mais importância o sector privado do ensino superior.

 

Se é verdade que quanto mais Estado, pior Estado, não é, contudo necessariamente verdade o laxismo do quanto menos Estado, melhor Estado, como muitos colectivistas interesseiros da nossa história acabaram por praticar.

 

Neste últimos anos de Portugal não é só no âmbito da política de segurança que, depois de uma aparente bonança de laxismo, se sucedem erupões cutâneas de ciclotímico furor de autoritarismo intervencionista e proibicionista, num ritmo quase esquizofrénico. Também na política educativa, depois de um largo período de “salve-se quem puder” desregulativo, onde foram sobretudo abolidas as regras da conjunta justa e se esqueceu que nem tudo o que é lícito é honesto, depressa chegou o regulamentarismo inquisitorial.

 

Contra o planeamentismo e o inquisitorialismo

Neste sentido, importa eliminar, de forma exaustiva, a mentalidade planeamentista dos burocratas da educação. Há que pedir ajuda a pais, professores, alunos e empregadores, sobretudo a quem vive a aventura quaotidiana das escolas, das aulas, da sucessão de gerações

 

Os burocratas ministeriais, sindicais e estudantis

A burocracia dos tecnocratas da educação, aliada à burocracia do corporativismo sindical e à burocracia do associativismo estudantil contituem as principais barreiras que nos desfocam a realidade da educação viva e vivida. Entre discursos abstractos, chavões de fotocópia e reivindicações repetitivas, continuamos a ser pautados por uma renda de bilros que nos embaciam o bom senso.

 

A consequência: um regime de sargentos verbeteiros

É neste ambiente que voltam a medrar os sargentos verbeteiros que apenas seriam ridículos se não se desse a tragédia de poderem alcançar as cadeiras governamentais, os quais fazem sempre perder as energias colectivas na construção de um grande ficheiro, esquecendo que hoje o Big Broter já não é escrito por Aldous Huxley mas pelas produções Teresa Guilherme.

 

Os revolucionários frustrados

Há também que atender ao facto dos revolucionários frustrados do Maio 68, que assaltaram lugares universitários no tempo do PREC, quando as passagens administrativas e o privilégio do não concurso público se conjugaram com o saneamento selvagem dos mais qualificados, terem agora concluído o seu termo nos domínios do cursus honorum universitário, ocupando muitos deles lugares cimeiros na estrutura de certas universidades públicas. Ora, muitos deles não perderam o sentido inquisitorial e pidesco do animal de horda e continuam a ter como modelo o voyeurismo da delação.-

 

Superar a falsa dialéctica público/privado

Finalmente, importa superar a falsa dialéctica público/ privado. Com efeito há que distinguir a titularidade da função e ter a humildade de reconhecer que uma entidade na titularidade de privados pode, na verdade, exercer funções públicas e que uma entidade na titularidade pública pode apenas encobrir interesses privados. Ora, sou capaz de dizer que parte significativa do sector público do ensino superior é bem pior que parte importante do ensino superior privado.

 

A aventura da qualidade

Não há universitário sem sentido de risco. Porque o universitário é aquele que, pela sua maturidade, conquistada pela concorrência pública, por um concurso público, fica habilitado a poder proferir juízos responsavelmente justos, sem necessidade de se acobertar na irresponsabilidade de uma qualquer remessa para o comunismo burocrático de um hipócrita à consideração superior.

 

Ser justo, avaliar  pelo mérito é o preciso contrário da arbitrariedade, onde, dentro da legalidade, se estabelece um escalonamento, apenas susceptível de ser atacado por abuso de poder ou desvio de poder.

 

Libertação, liberdade e igualdade

Importa talvez recordar que a missão fundamental da educação é ajudar o homem a libertar-se por si mesmo e dentro de si mesmo; ajudar o homem a lutar contra a despersonalização do homem; transformar cada homem numa ilhota de subjectividade que só mediante a comunicação pode participar no ser (Gabriel Marcel). Só depois desta libertação é que a liberdade social é possível; só depois desta libertação é que a igualdade se torna realizável. Porque a igualdade, enquanto sinónimo de justiça, sempre foi o exacto contrário da inveja igualitária, dado que sempre impôs que se tratasse desigualmente o desigual.

 

Regresso à ideia clássica de universidade

Daí que a universidade, enquanto universitas scientiarum, deva ser o sítio onde se procura passar da mera opinião sobre todas as coisas ao conhecimento de todas as coisas, enquanto conhecimento do todo; onde se procura integrar o socialmente útil no sentido da existência do homem na sociedade e no cosmos; onde se procura passar da técnica à sabedoria, ajustando a alma ao movimento global do universo. A universidade, como a escola primeira, não é uma escola do saber fazer, mas uma escola onde apenas se aprende a aprender; onde cada um dos que nela se consideram formados obtêm o título de licenciados, de homens que obtêm licença para continuarem a estudar por si mesmos.

 

 

Conclusões um pouco metapolíticas

Nestes termos, deixem-me concluir de forma um pouco metapolítica:

 

1ºA principal riqueza de qualquer país está nas pessoas que constituem. A principal riqueza de Portugal está nos portugueses.

 

2ºCada português é um homem concreto que dentro de si deve descobrir e conquistar o homem completo. A função da educação é a de ajudar o homem a libertar-se da servidão. Portanto, ai da educação que vegete na mediocracia; que, desculpando-se com a quantidade, trate de diminuir a qualidade; que sob o pretexto da massificação, ponha o superior ao serviço do inferior; o transcendente ao serviço do rasteiro; seja o homem ao serviço de uma abstracção; seja a sabedoria ao serviço da técnica.

 

3ºSó pode ser autêntica uma educação que siga o lema pessoano do "tudo pela humanidade, nada contra a nação". Dito de outra forma: só pode ser autêntica uma educação que atinja o universal através da diferença e que não esvazie o homem de história; que o não desenraize do chão físico da sua ecologia e do chão moral da sua história. Só podem ser iguais os que são dignos.

 

4º A escola não deve ser uma fábrica de saber fazer ou um mero centro de formação de postos de vencimento; a escola pode e deve ser tudo isso se antes for uma escola de cidadãos e um centro de comunicação de valores; isto é, deve ser uma instituição, onde os métodos estejam ao serviço dos fins.

 

5º Portugal empobrecerá, envelhecerá e injustiçar-se-á se, a nível do sistema de ensino, não se puserem os meios ao serviço dos fins; isto é, a escola ao serviço do homem; a técnica ao serviço da sabedoria; a organização ao serviço de uma ideia de escola.

 

Que Deus queira, que o homem sonhe, que a obra nasça…